Uma newsletter com cheiro de café, crise existencial e evidências empíricas
Olá, terráqueo (ou viajante interdimensional com acesso à internet),
Hoje a pauta é direta:
Você lembra de todas as versões de si mesmo que você já matou só pra ser aceito?
Sim, começamos com leveza. Mas fica tranquilo, isso aqui não é uma seita. É psicologia científica com uma dose de ironia e desconforto existencial, porque se é pra viver nesse planeta maluco, que seja com alguma clareza e uma pitada de bom humor.
O funeral das versões anteriores
Em algum momento da infância, você descobriu que chorar alto era demais.
Ou que rir muito alto fazia alguém te olhar torto.
Ou que se interessar por insetos, por moda ou por poesia te colocava em uma categoria que o grupo rejeitava.
Resultado? Tchau versão original. Bem-vindo, você 2.0: mais quieto, mais “normal”, mais fácil de engolir.
E isso se repetiu.
Na adolescência.
Na vida adulta.
No trabalho.
Nos relacionamentos.
Pelo caminho, você enterrou:
- o artista,
- o falastrão,
- o curioso,
- o romântico,
- o revoltado,
- o esquisito.
Versões suas que existiam — e ainda existem — mas que hoje vivem trancadas no porão da sua psique, junto com aquele tênis que você gostava, mas disseram que era “brega”.
Mas por que fazemos isso, mesmo?
A resposta curta: porque somos bichos sociais.
A resposta longa: porque o cérebro humano foi moldado por milhões de anos de evolução que recompensaram quem se ajustava à tribo. Ser excluído era sinônimo de morte. Literalmente.
Então hoje, mesmo sem ursos famintos ou machadinhas tribais, seu cérebro ainda entra em modo pânico quando você sente rejeição.
E aí vem o comportamento de evitação, de adequação, de supressão — tudo isso com respaldo da fabulosa ciência do condicionamento operante (valeu, Skinner) e do processamento de ameaças sociais (um abraço para a amígdala cerebral).
Isso é ruim?
Não necessariamente.
Às vezes, adaptar-se é uma escolha consciente, funcional, saudável.
Mas… quando isso vira autoabandono crônico, o custo é alto.
A psicologia chama isso de incongruência, alienação de valores pessoais, evitação experiencial crônica — e tudo isso se traduz em:
“Eu não sei mais quem eu sou.”
“Eu tô exausto e nem sei por quê.”
“Sinto que estou vivendo a vida de outra pessoa.”
E aí, meu caro, já não é só uma crise existencial. É um caso para a ciência da saúde mental.
O que a ciência sugere?
- Identifique seus valores: O que realmente importa pra você, e não só o que te ensinaram que deveria importar? Terapias como a ACT (Terapia de Aceitação e Compromisso) ajudam MUITO nisso.
- Observe os custos da adequação: Em vez de só pensar “o que eu ganho me encaixando?”, pergunte-se também: “o que eu tô perdendo?”
- Experimente retomar versões perdidas: Rabiscar, dançar mal, falar besteira, vestir o que quiser. Faça pequenos testes de autenticidade. A vergonha passa. O alívio fica.
- Seja gentil com as versões que morreram: Elas fizeram o melhor que podiam. Mas você pode escolher parar o ciclo.
Então, respondendo à pergunta: quantas versões suas você já enterrou pra caber no mundo?
Se a resposta for “várias”… talvez esteja na hora de desenterrar pelo menos uma.
Com carinho (e sinapses ativadas),
Psicólogo Gustavo Henrique
Psicólogo, observador de humanos,
e ocasional funeralista de eus esquecidos.