A origem das histórias que contamos sobre nós mesmos
Já parou pra pensar nisso? Porque, convenhamos: ninguém nasce acreditando que é “menos”. Um bebê não olha para os próprios pés e conclui: “ih, não sou suficiente”. Esse tipo de crença é aprendido.
E onde a gente aprende? Muitas vezes, nos pequenos (ou grandes) episódios da vida: aquele comentário comparando você ao colega mais inteligente, a cobrança exagerada no esporte ou nos estudos, o olhar de desaprovação quando você não correspondia às expectativas. Aos poucos, sem perceber, vamos internalizando mensagens que moldam a forma como nos vemos.
Na psicologia, chamamos isso de crenças centrais — ideias profundas e rígidas sobre nós mesmos, os outros e o mundo (Beck, 2013). Quando a crença central é negativa — como “não sou suficiente”, “sou fraco” ou “ninguém me aceita” — ela age como um filtro: toda experiência começa a ser interpretada por essa lente. Se alguém faz uma crítica, vira confirmação. Se alguém fica em silêncio, também vira confirmação. É um ciclo que se retroalimenta.
A ciência mostra que essas crenças não são inatas. Elas se formam na interação entre experiências precoces, fatores de personalidade e até predisposições biológicas (Young, Klosko & Weishaar, 2008). Ou seja, há um histórico por trás. Mas a boa notícia é: o que foi aprendido pode ser questionado e modificado.
E aqui entra a terapia baseada em evidências. A Terapia Cognitivo-Comportamental, por exemplo, trabalha justamente em identificar essas crenças, entender de onde vieram e propor formas mais funcionais de olhar para si mesmo (Beck, 2013). Outros modelos, como a Terapia do Esquema, também investigam esses padrões de longa duração e ensinam estratégias para enfraquecer o peso dessas histórias internas (Young, Klosko & Weishaar, 2008).
Isso não significa “mudar a mente num passe de mágica” ou repetir mantras de autoajuda. É trabalho. Trabalho de se observar, refletir e, muitas vezes, fazer isso acompanhado de alguém capacitado — como no espaço terapêutico. Mas esse esforço tem efeito: estudos mostram que a reestruturação de crenças disfuncionais está associada à melhora em sintomas de ansiedade, depressão e autoestima (Hofmann et al., 2012).
Então eu volto pra pergunta inicial: quem te ensinou que você não era suficiente?
E mais importante: até quando você vai carregar essa história como se fosse verdade absoluta? Talvez seja hora de começar a escrever uma narrativa nova — baseada em ciência, em autocompaixão e em escolhas que você pode fazer a partir de agora.
Referências
- BECK, J. S. Terapia Cognitivo-Comportamental: teoria e prática. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2013.
- HOFMANN, S. G.; ASNAANI, A.; VONK, I. J.; SAWYER, A. T.; FANG, A. The Efficacy of Cognitive Behavioral Therapy: A Review of Meta-analyses. Cognitive Therapy and Research, v. 36, n. 5, p. 427–440, 2012.
- YOUNG, J. E.; KLOSKO, J. S.; WEISHAAR, M. E. Terapia do Esquema: guia de técnicas cognitivo-comportamentais inovadoras. Porto Alegre: Artmed, 2008.
Abraço,
Gustavo Henrique Ferreira
Psicólogo | Psicologia Baseada em Evidências