O modus operandi de pessoas violentas nos relacionamentos
Quando falamos em violência nos relacionamentos, a imagem mais comum ainda é a da agressão física explícita. Um tapa, um empurrão, um soco.
Mas a psicologia científica mostra algo fundamental: a violência raramente começa pelo corpo. Ela começa pela mente e pelo contexto.
Pessoas violentas em relacionamentos, homens ou mulheres, embora os dados mostrem maior prevalência masculina em violência grave, costumam seguir um modus operandi relativamente previsível, progressivo e silencioso.
O primeiro passo costuma ser o encantamento intenso.
São pessoas carismáticas, atentas, apaixonadas “rápido demais”. Criam uma sensação de conexão única, quase exclusiva. Isso fortalece o vínculo e reduz defesas. Não é coincidência: vínculos acelerados aumentam dependência emocional.
Em seguida, aparecem os controles sutis.
Nada que pareça abuso à primeira vista. Comentários sobre roupas, amizades, horários, redes sociais, sempre acompanhados de uma justificativa aparentemente nobre:
“É que eu me preocupo.”
“Não confio nessas pessoas.”
“Você muda quando está com eles.”
Aqui, a autonomia vai sendo desgastada aos poucos e, exatamente por isso, passa despercebida.
Com o tempo, surge a desqualificação psicológica.
A vítima começa a ouvir que é sensível demais, exagerada, confusa, dramática ou instável. Esse é o terreno fértil para o gaslighting: a pessoa passa a duvidar da própria memória, das próprias emoções e da própria leitura da realidade.
Quando a violência explícita aparece, seja verbal, psicológica ou física, ela não surge do nada.
Ela vem depois de um longo processo de isolamento, culpa e perda de referência interna.
O ciclo do abuso
A ciência descreve esse processo como um ciclo relativamente estável.
Fase de tensão
O ambiente fica pesado. Críticas, irritação e silêncios punitivos. A vítima tenta “andar em ovos” para evitar conflitos.
Fase de explosão
A violência acontece. Agressão verbal, humilhação, ameaças ou agressão física. É o pico do ciclo.
Fase de reconciliação, ou lua de mel
Pedidos de desculpa, promessas, choro e declarações de amor. Às vezes, presentes e mudanças temporárias. Aqui nasce a esperança de que “agora vai ser diferente”.
O ciclo se fecha e recomeça.
Com o tempo, a fase de reconciliação tende a encurtar, e a violência se intensifica.
Sinais de alerta, especialmente os iniciais
Alguns sinais merecem atenção precoce:
Tentativas de isolar você de amigos, família ou fontes de apoio
Ciúme excessivo travestido de cuidado
Monitoramento de celular, redes sociais ou rotina
Dificuldade em respeitar limites e “nãos”
Fazer você se sentir culpado(a) por emoções legítimas
Minimizar, negar ou inverter responsabilidades após conflitos
Você começa a pensar com frequência: “talvez o problema seja comigo”
Esse último sinal é um dos mais importantes.
Do ponto de vista da psicologia baseada em evidências, é um mito perigoso achar que pessoas violentas “perdem o controle”.
Na maioria das vezes, elas escolhem onde, quando e com quem a violência aparece. Raramente são agressivas com chefes, colegas ou figuras de autoridade.
Isso não é descontrole emocional.
É controle estratégico.
Entender esse padrão não é sobre demonizar pessoas.
É sobre nomear processos, reconhecer sinais precoces e oferecer proteção antes que a violência escale.
Violência não é excesso de amor.
É excesso de controle.
Por que é tão difícil sair desse tipo de relacionamento?
Uma pergunta comum, e injustamente julgada, é: “Se é tão ruim, por que a pessoa não termina?”
A psicologia baseada em evidências mostra que não se trata de fraqueza, mas de processos cognitivos, emocionais e contextuais bem conhecidos.
Um dos fatores centrais são as crenças de mudança.
A fase de reconciliação do ciclo do abuso funciona como um potente reforçador. Pedidos de desculpa, momentos de afeto e promessas reativam a crença de que “agora vai”, de que a pessoa agressora entendeu, aprendeu ou vai mudar. Essa esperança não surge do nada. Ela é condicionada.
Outro fator importante é a crença de desamparo ou solidão.
Após um processo prolongado de isolamento e desqualificação, muitas vítimas passam a acreditar que não conseguirão ficar sozinhas, que ninguém mais as amará ou que fora dali só existe abandono. A relação deixa de ser apenas um vínculo afetivo e passa a funcionar como uma falsa fonte de segurança.
Há também a culpa internalizada.
Depois de ouvir repetidamente que exagera, provoca ou causa os conflitos, a pessoa começa a acreditar que a violência é, de algum modo, responsabilidade sua e que, se mudar o próprio comportamento, o relacionamento finalmente funcionará.
Somado a isso, entram fatores práticos e emocionais como medo, dependência financeira, filhos, pressão social, vergonha e a erosão progressiva da autoestima. Não é uma decisão simples. É um campo minado psicológico.
Por isso, sair de um relacionamento violento raramente é um ato impulsivo.
É um processo que exige informação, apoio e, muitas vezes, ajuda profissional.
Entender isso não é justificar a violência.
É parar de culpar a vítima e começar a olhar para os mecanismos que mantêm o ciclo funcionando.
Gustavo Henrique
Psicólogo | Psicologia Baseada em Evidências