Ou apenas alguém que acorda, toma café, trabalha, paga boletos e repete até a morte (com eventuais sonhos de largar tudo e ir morar num sítio com galinhas)?
René Descartes dizia que somos uma res cogitans, a “coisa que pensa”. Mas tem dias (ou semanas… ou décadas) em que parecemos muito mais uma res extensa: matéria ambulante, respondendo e-mails, consumindo cafeína e tentando lembrar onde deixou as chaves.
E aí surge a pergunta existencial com cheiro de humor inglês (e um pouco de desespero):
“Será que estou vivendo ou apenas carregando bateria?”
Na falta de um manual do usuário do cérebro humano, temos a ciência da psicologia e da neurociência para lembrar que sim, às vezes nossa mente funciona no modo piloto automático, uma estratégia evolutivamente eficiente, até que não seja mais.
A vida automática pode gerar alienação, ansiedade e sensação de vazio, além de aquele leve desejo de escapar da rotina e desaparecer por alguns dias, longe de e-mails, compromissos e notificações incessantes.
A boa notícia?
Não estamos fadados a ser zumbis de Wi-Fi fraco. O processo de metacognição, pensar sobre o próprio pensamento, é uma habilidade treinável e fundamental para qualidade de vida, saúde mental e senso de agência.
“A consciência é o que nos permite não apenas ter pensamentos, mas notar que estamos tendo pensamentos”
(Teasdale et al., 1995)
Traduzindo para o português cotidiano:
É a função do cérebro que permite perceber que você está sofrendo por um e-mail ainda nem enviado.
Mas como sair desse modo “robô domesticado”?
- Pratique atenção plena (não, não precisa meditar no Himalaia)
- Questione suas rotinas (inclusive por que você toma café às 8h e não às 8h03)
- Observe seus padrões de pensamento sem julgá-los (só admitir que às vezes eles estão “em modo Windows 98” já ajuda)
- Reflita sobre valores, propósito e comportamentos — sim, isso é ciência, não autoajuda açucarada
Como diria Adams:
“A realidade é frequentemente imprecisa.”
Então, melhor pensar um pouco antes que ela te engula com boletos e reuniões no Teams.
O ponto central é:
Não somos autômatos.
Mas se não prestarmos atenção, podemos viver como se fôssemos.
Ser humano dá trabalho, e isso é ótimo.
Significa que podemos atualizar o sistema operacional da mente… sem precisar dar restart no universo.
Referências
- Teasdale, J. D., Segal, Z. V., & Williams, J. M. G. (1995). How does cognitive therapy prevent depressive relapse and why should attentional control (mindfulness) training help? Behaviour Research and Therapy, 33(1), 25-39.
- Descartes, R. (1641). Meditações metafísicas.
- Kahneman, D. (2011). Thinking, fast and slow. New York: Farrar, Straus and Giroux.
- Hayes, S. C., Strosahl, K. D., & Wilson, K. G. (2011). Acceptance and Commitment Therapy: The Process and Practice of Mindful Change. New York: Guilford Press.
Abraços reflexivos e minimamente conscientes,
Gustavo Henrique – Psicólogo & entusiasta da vida não-automática 🧠