A era dos serial killers acabou — mas os psicopatas continuam entre nós.
A mente por trás dos crimes mais hediondos sempre despertou fascínio e medo. Filmes e séries transformaram assassinos em ícones culturais, mas também alimentaram muitos equívocos sobre o que realmente se passa na mente de quem mata. Afinal, o que diferencia um psicopata de alguém “louco”? E por que o clássico serial killer parece estar desaparecendo?
A diferença crucial: psicopata não é “louco”
Na Psicologia Forense, essa distinção é fundamental. Psicopatia (ou Transtorno de Personalidade Antissocial – TPAS) e psicose são quadros completamente diferentes, embora muitas vezes confundidos.
- Ed Gein, o assassino que inspirou Psicose e O Silêncio dos Inocentes, apresentava um quadro psicótico: estava desconectado da realidade, guiado por delírios e alucinações. Sua violência era produto de uma mente tomada por distorções perceptivas e crenças bizarras — e, por isso, foi considerado legalmente insano.
- Ted Bundy, por outro lado, é o retrato do psicopata clássico: carismático, racional e estrategista. Ele sabia exatamente o que fazia. Sua crueldade não vinha de delírios, mas da ausência de empatia e da incapacidade de sentir culpa.
A neurociência reforça essa distinção: estudos indicam uma redução da atividade na amígdala — estrutura envolvida no medo e na empatia — e disfunções no córtex pré-frontal ventromedial, área relacionada ao controle de impulsos, julgamento moral e planejamento (Blair, 2008; Glenn & Raine, 2014). Além disso, há uma conectividade anormal entre essas regiões, o que compromete o processamento emocional e a aprendizagem moral.
Vale lembrar que a realidade clínica nem sempre é tão binária: há casos em que traços psicopáticos coexistem com sintomas psicóticos. O ser humano raramente cabe em categorias rígidas.
Como pensam os predadores: M.O. e assinatura
Crimes cometidos por psicopatas não são atos impulsivos, mas planejados com lógica instrumental. Dois conceitos ajudam a entender sua estrutura:
- Modus Operandi (M.O.): refere-se aos métodos usados para executar o crime e evitar a captura — o tipo de arma, a escolha da vítima, o disfarce, os horários. O M.O. pode mudar conforme o criminoso aprende com a experiência.
- Assinatura: é o componente simbólico e emocional do crime — o ritual que não serve a nenhum propósito prático, mas satisfaz a fantasia interna do agressor (como uma forma específica de tortura ou a coleta de “troféus”).
Enquanto o M.O. é flexível e adaptativo, a assinatura tende a ser estável e reflete a motivação psicológica central do indivíduo.
Tipos de assassinos e seus padrões de violência
Nem todo assassino em série é igual. O FBI classifica os homicidas múltiplos em três categorias principais, de acordo com o tempo entre os crimes e o número de locais envolvidos:
- Serial killer: comete três ou mais homicídios ao longo de períodos prolongados, alternando fases de “resfriamento” entre um crime e outro. Atua em locais diferentes e, geralmente, mantém um padrão ritualístico.
- Mass murderer (assassino em massa): mata quatro ou mais pessoas em um único evento, e em um único local — como nos casos de atiradores em escolas ou locais públicos.
- Spree killer: também comete múltiplos homicídios, mas em um curto intervalo de tempo, sem pausas entre os crimes, e em locais diferentes. Um exemplo clássico é Charles Starkweather, que viajou pelo interior dos EUA matando sucessivamente.
O futuro da psicopatia
O avanço da tecnologia e da vigilância transformou o cenário criminal.
- O declínio do serial killer clássico: nas décadas de 1970 e 80, assassinos como Bundy, Dahmer e Gacy conseguiam agir por anos sem serem pegos. Hoje, com DNA, câmeras, reconhecimento facial e bancos de dados interconectados, a “carreira” de um assassino em série é praticamente insustentável.
- A ascensão dos psicopatas de colarinho branco: muitos traços antes observados em criminosos violentos — frieza, charme superficial, manipulação — aparecem hoje em contextos corporativos e políticos. Claro, nem todo líder frio ou competitivo é um psicopata, mas alguns usam essas mesmas características para causar danos psicológicos, sociais e financeiros, sem jamais sujar as mãos de sangue (Babiak & Hare, 2006).
Intervenção e possibilidades terapêuticas
Pesquisas recentes indicam que o tratamento do TPAS é difícil, mas não impossível. O foco não está em “ensinar empatia”, e sim em usar a racionalidade do próprio indivíduo a favor de comportamentos pró-sociais — uma abordagem que dialoga bem com a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC).
Além disso, estudos exploram intervenções biopsicossociais precoces, e investigações em neurotecnologia (como estimulação cerebral e realidade virtual) podem abrir novas possibilidades no futuro (Anderson & Kiehl, 2022).
Reflexão:
A psicopatia não desapareceu — ela apenas mudou de rosto.
Compreender suas bases biológicas e psicológicas é essencial não apenas para entender o crime, mas também para reconhecer como certos padrões de frieza e manipulação se manifestam na sociedade de formas mais sutis.
Gustavo Henrique
Psicólogo Clínico | Psicologia Baseada em Evidências
📚 Referências (ABNT)
- ANDERSON, N. E.; KIEHL, K. A. The psychopath magnet: Functional and structural brain differences in psychopathy. Neuroscience & Biobehavioral Reviews, v. 137, 2022.
- BABIAK, P.; HARE, R. D. Snakes in Suits: When Psychopaths Go to Work. New York: HarperCollins, 2006.
- BLAIR, R. J. R. The amygdala and ventromedial prefrontal cortex: Functional contributions and dysfunctions in psychopathy. Philosophical Transactions of the Royal Society B, v. 363, 2008.
- GLENN, A. L.; RAINE, A. The neurobiology of psychopathy. Psychiatric Clinics of North America, v. 37, n. 3, 2014.
- HARE, R. D. Without Conscience: The Disturbing World of the Psychopaths Among Us. New York: Guilford Press, 1999.