Entre bonecas hiper-realistas e teorias da conspiração, talvez o estranho seja mais comum do que parece.
Toda vez que sai uma matéria sobre mulheres que cuidam de bonecas hiper-realistas como se fossem filhos de verdade — os famosos bebês reborn — a internet explode em julgamentos.
“Louca.”
“Precisa de tratamento.”
“Isso é doença.”
Mas será que cuidar de uma boneca é realmente sinal de que alguém perdeu o contato com a realidade?
Ou será que todos nós temos nossos pequenos delírios cotidianos — só que socialmente aceitos?
Pensa comigo:
Quem nunca conversou com um cachorro como se fosse um bebê?
Quem nunca deu nome pro carro, pediu desculpa pra um objeto ou jurou que a planta murchou porque você viajou no fim de semana?
Quem nunca teve uma “mania” ou ritual que precisa fazer pra se sentir bem?
A verdade é que nosso cérebro foi moldado para buscar sentido, apego e previsibilidade. Atribuir sentimentos e intenções a objetos é um fenômeno conhecido como antropomorfismo, e está presente em quase todo comportamento humano — inclusive no cuidado com pets, brinquedos, ídolos, amuletos, plantas, etc.
Então sim, cuidar de uma boneca como se fosse um bebê pode, num primeiro olhar, parecer só mais uma forma de lidar com o mundo. Mas há um ponto importante aqui:
Muitas dessas mulheres estão em sofrimento psíquico real — e merecem ajuda profissional.
Do ponto de vista clínico, o cuidado com o bebê reborn pode estar ligado a:
🔹 Luto não elaborado (por filhos perdidos, abortos, infertilidade);
🔹 Transtornos de apego, solidão intensa ou isolamento social;
🔹 Estratégias dissociativas ou fantasiosas para regular emoções negativas;
🔹 Ou até quadros mais graves, como transtornos psicóticos ou depressivos, em que a percepção da realidade está distorcida.
Ou seja: o comportamento pode parecer “curioso” ou até “fofo”, mas às vezes é só a ponta do iceberg de uma dor emocional profunda. E ignorar isso seria irresponsável.
Mas sabe o que é mais bizarro do que projetar afeto em um boneco de silicone?
Gente que acredita que vacinas implantam chip.
Gente que entra em seitas religiosas e entrega todo o dinheiro ao “profeta”.
Gente que acha que a Terra é plana, mesmo com toda a ciência disponível.
Gente que recusa remédio, mas aposta em cristal energizado com “frequência de Atlântida”.
E, curiosamente, essas crenças coletivas são vistas como “opiniões” ou “formas alternativas de viver”.
Enquanto isso, a mulher que encontrou consolo materno em uma boneca recebe um rótulo de “insana”.
A psicologia científica ensina que o que diferencia uma crença incomum de um transtorno não é o conteúdo da ideia, mas o quanto ela interfere na vida, causa sofrimento ou traz risco.
E é aí que está o ponto mais humano de todos:
Talvez o problema não seja sermos “meio malucos”.
Talvez o problema seja como escolhemos quem pode delirar em paz — e quem precisa ser silenciado, ridicularizado ou ignorado.
Essa mulher pode precisar de ajuda, sim. Mas não de piada.
De escuta, não de meme.
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Até a próxima,
Gustavo