Por que todo mundo parece ter uma vida mais interessante que a minha?

Entre o feed dos outros e o bastidor da própria vida, é fácil esquecer que ninguém vive de highlight.

Sabe aquele momento em que você abre o Instagram “só um pouquinho” e, em dois minutos, já está convencido de que todo mundo está vivendo melhor que você?
O fulano casou, o ciclano abriu uma empresa, o ex do amigo agora faz yoga com golfinhos, e você está em casa discutindo com o micro-ondas que não esquenta direito.

Bem-vindo ao fenômeno psicológico conhecido como comparação social ascendente, um nome chique para o hábito ancestral de olhar para o lado e pensar: “Será que eu tô atrasado na vida?”.

O cérebro comparador

Leon Festinger (1954), pai da teoria da comparação social, propôs que a gente se avalia comparando o próprio desempenho e valor com os outros. É uma forma de entender “quem sou eu?”, mas com um efeito colateral: quando olhamos sempre para quem parece estar melhor, o resultado costuma ser frustração, inveja e uma boa dose de autocrítica.

Do ponto de vista neurobiológico, o que acontece é que o sistema dopaminérgico (aquele que regula motivação e recompensa) é ativado quando vemos alguém em posição de sucesso — mas, em vez de nos motivar, isso pode gerar um sentimento de inadequação. O cérebro interpreta: “Eu devia estar ali também.”
Estudos de neuroimagem mostram que a córtex pré-frontal medial e a ínsula anterior estão envolvidas nesse tipo de comparação, especialmente quando ela resulta em emoções negativas (Takahashi et al., 2009).

Agora, adicione o tempero das redes sociais, que funcionam como uma vitrine cuidadosamente editada de vidas “perfeitas”, e temos um prato cheio de distorsões cognitivas: catastrofização (“minha vida é uma piada”), supergeneralização (“todo mundo é mais feliz”), e leitura mental (“as pessoas me julgam por ser assim”).

O efeito feed infinito

Pesquisas recentes mostram que o uso excessivo de redes sociais está associado a níveis mais altos de depressão, ansiedade e insatisfação corporal (Vogel et al., 2014; Appel et al., 2016). Isso acontece porque o cérebro não entende que aquela comparação é injusta: estamos nos medindo contra personas digitais, versões curadas e filtradas de pessoas reais.

Além disso, há o viés de positividade: as pessoas tendem a postar o que é bom, e esconder o que é ruim. Ninguém posta a foto do boleto, da dor de cabeça, da crise existencial no meio da terça-feira. É tipo comparar o seu “making of” com o trailer de cinema de outra pessoa.

E tem um fator comportamental importante: quanto mais tempo passamos rolando o feed, mais reforçamos esse comportamento. A dopamina nos dá pequenas recompensas a cada novo post “interessante”, e o cérebro aprende que comparar é prazeroso no curto prazo, mesmo que gere sofrimento depois. É basicamente um reforçamento intermitente — o mesmo princípio que mantém as pessoas presas a caça-níqueis.

Dicas práticas para quem sofre com isso

  1. Curadoria do seu feed mental.
    Se o seu Instagram te faz sentir um fracasso, talvez o problema não seja você — é o algoritmo. Siga conteúdos que gerem curiosidade e bem-estar, não comparação. Mais ciência, humor e arte; menos “coach do sucesso às 5h da manhã”.
  2. Pratique o “zoom out cognitivo”.
    Quando você se pegar pensando que a vida do outro é perfeita, amplie o quadro mental. Lembre-se: você não sabe o contexto, o custo emocional ou o esforço por trás daquela imagem.
  3. Compare-se com você de ontem.
    Em vez de olhar para quem parece estar à frente, olhe para o seu próprio progresso. Pequenas vitórias contam — inclusive o simples fato de não abrir o TikTok hoje.
  4. Saia do modo espectador.
    Fazer algo real (caminhar, criar, conversar) devolve ao cérebro a sensação de agência. Viver passivamente através da tela reforça a sensação de estagnação.
  5. Pratique a gratidão realista.
    Não precisa ser aquele “gratidão, universo” forçado. É mais sobre reconhecer o que é suficiente no seu cotidiano. Estudos mostram que a prática regular de gratidão está associada a maior bem-estar e satisfação com a vida (Emmons & McCullough, 2003).
  6. Desative notificações por um tempo.
    Seu cérebro precisa de pausas. E não, você não vai “perder algo importante”. O que você vai ganhar é foco e menos comparação involuntária.

No fim das contas…

Não é que a vida dos outros seja mais interessante. É que você está assistindo o “melhores momentos” deles enquanto vive os bastidores da sua própria história.
E convenhamos, ninguém filma o making of do caos.


Referências

  • Festinger, L. (1954). A theory of social comparison processes. Human Relations, 7(2), 117–140.
  • Takahashi, H. et al. (2009). When your gain is my pain and your pain is my gain: neural correlates of envy and schadenfreude. Science, 323(5916), 937–939.
  • Vogel, E. A., Rose, J. P., Roberts, L. R., & Eckles, K. (2014). Social comparison, social media, and self-esteem. Psychology of Popular Media Culture, 3(4), 206–222.
  • Appel, H., Gerlach, A. L., & Crusius, J. (2016). The interplay between social comparison, envy, and depression on social networking sites. Current Opinion in Psychology, 9, 44–49.
  • Emmons, R. A., & McCullough, M. E. (2003). Counting blessings versus burdens: An experimental investigation of gratitude and subjective well-being in daily life. Journal of Personality and Social Psychology, 84(2), 377–389.

🖋️
Gustavo Henrique
Psicólogo clínico | Neurociência & Psicologia Baseada em Evidências

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Gustavo Henrique

Prazer, sou Gustavo Henrique, psicólogo clínico com mais de 4 anos de experiência. Minha jornada na faculdade começou com um interesse crescente por uma psicologia mais científica. Fiz minha primeira pós-graduação em Análise Comportamental Clínica pelo Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento (IBAC) e, em seguida, concluí uma pós em Terapia Cognitiva Comportamental pela PUCRS. Trabalhei como psicólogo hospitalar e, posteriormente, em uma comunidade terapêutica. Além disso, atuei como supervisor em terapia ABA com crianças autistas. Atualmente, concentro meus estudos e práticas nas áreas de neurociência e psicologia baseada em evidências, e sou membro da Associação Brasileira de Psicologia Baseada em Evidência.

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Prazer, sou Gustavo Henrique, psicólogo clínico com mais de 4 anos de experiência. Minha jornada na faculdade começou com um interesse crescente por uma psicologia mais científica. Fiz minha primeira pós-graduação em Análise Comportamental Clínica pelo Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento (IBAC) e, em seguida, concluí uma pós em Terapia Cognitiva Comportamental pela PUCRS. Trabalhei como psicólogo hospitalar e, posteriormente, em uma comunidade terapêutica. Além disso, atuei como supervisor em terapia ABA com crianças autistas. Atualmente, concentro meus estudos e práticas nas áreas de neurociência e psicologia baseada em evidências, e sou membro da Associação Brasileira de Psicologia Baseada em Evidência.

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Gustavo Henrique | Psicólogo Clínico CRP 08/32842

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